domingo, 24 de janeiro de 2010

A vida para além da doença intestinal

24 Janeiro 2010 - 00h30
Pediatria: Pais, médicos e enfermeiros mobilizados
A vida para além da doença intestinal
Dores de barriga, alterações frequentes ao nível do intestino, anemia e, em pediatria, perturbação do crescimento. São os sintomas das doenças inflamatórias do intestino (DII), que no caso das crianças significam limitações em períodos únicos da sua vida escolar, social e afectiva.

O trabalho dos médicos, enfermeiros e psicólogos centra-se, segundo afirma Jorge Amil, director da Unidade de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital de São João, no Porto, em 'restabelecer e normalizar a qualidade de vida dos jovens afectados pela DII'. O período de diagnóstico pode ser penoso, tal como as fases de agravamento da doença, seja colite ulcerosa ou doença de Crohn, esta última com aumento de incidência entre a população de menos idade. 'Tentamos fazer com que compreendam e que aceitem os períodos em que se sentem menos bem, mostrando-lhes que cada um de nós tem as suas limitações e que precisa de aprender a viver com elas com tranquilidade.'

Com um quadro clínico geralmente mais aparatoso, que inclui diarreia com sangue, o diagnóstico da colite ulcerosa é rápido. Já à doença de Crohn, que, embora implicando o intestino, pode afectar qualquer zona do tubo digestivo, e cujos sintomas são mais vagos – astenia, anemia, emagrecimento, dor abdominal, diarreia, dores articulares – é mais difícil distingui-la de outras. Uma e outra podem ser controladas com medicamentos mas não curadas. 'O tratamento destas doenças, especialmente em pediatria, deve ser feito por equipas multidisciplinares com experiência adquirida', nota Jorge Amil.

SABER MAIS

COMPARTICIPAÇÃO

Os medicamentos da DII são comparticipados em 95 por cento, sendo a comparticipação total nas farmácias com protocolo com a APDI.

UNIDADES ESPECÍFICAS

A experiência e a competência técnica para tratar as crianças e jovens com DII deve, segundo o gastroenterologista Jorge Amil, centrar-se em Unidades de Gastroenterologia Pediátrica.

NOVOS MEDICAMENTOS

Mesmo ainda sem perspectiva de curar a doença, há cada vez mais fármacos que permitem controlar o processo inflamatório e restabelecer o bem-estar dos doentes.

'INCIDÊNCIA DA DOENÇA DE CROHN TEM AUMENTADO': Jorge Amil dir. Serv. Ped. e Gastro. Pediátrica H. São João

Correio da Manhã – Quais são as doenças inflamatórias do intestino com maior incidência no País?

Jorge Amil – Os principais quadros clínicos que constituem as chamadas DII são a doença de Crohn e a colite ulcerosa.

– Qual afecta mais os jovens?

– Na maioria dos países tem-se observado frequência crescente da doença de Crohn. A incidência aumentou há alguns anos nos países do Norte da Europa e, gradualmente, progrediu para o Sul. O aumento do número de doentes jovens em Portugal é muito mais recente. A resposta mais provável liga-se à mudança de estilo de alimentação, da relação com agentes infecciosos num ambiente menos contaminado, etc. A colite ulcerosa tem-se mantido estável.

GRUPO DE AJUDA PARA JOVENS

Fundada a 1 de Novembro de 1994, a Associação Portuguesa da Doença Inflamatória do Intestino (APDI) tem por objectivo 'apoiar e aconselhar os doentes da doença de Crohn e da colite ulcerosa, informar sobre as doenças e promover a investigação', esclarece a presidente Ana Sampaio, referindo-se ainda ao grupo de jovens que faz atendimento personalizado por telefone (936376890) e por mail (jovensapdi@gmail.com).

Nos adolescentes, as doenças do intestino têm ainda maior impacto emocional do que entre os adultos. Os adolescentes procuram afirmar a sua auto-suficiência precisamente quando a doença lhes impõe maior dependência em relação à família, aos médicos e até ao sistema de saúde.

'NO INÍCIO FOI DIFÍCIL, AGORA FAÇO NATAÇÃO E GINÁSTICA'

Francisca tem 12 anos. Há sete foi-lhe diagnosticada colite ulcerosa. 'Tomo três comprimidos, um ao pequeno-almoço, outro ao almoço e outro ao jantar e faço uma vida perfeitamente normal.' O mais difícil, reconhece, foi no princípio, 'quando tinha dores de barriga muito fortes'. O pai, José Luís, confirma: 'Queixava-se de dores e sangrava muito nas fezes.' Uma colonoscopia confirmou o diagnóstico: colite ulcerosa. Seguiu-se o tratamento com cortisona. O ano de 2002 foi complicado para Francisca e para a família, que a via em sofrimento. Mas, depois, a vida dela melhorou. 'Hoje não tenho dores nem sangramentos. Os meus amigos e os professores sabem que sofro desta doença e compreendem', explica a menina que, nunca se esquecendo de tomar os comprimidos, pratica natação e ginástica e não tem de faltar à escola. É boa aluna. Quer ser médica. 'Os médicos explicaram-me o que se passava e não usaram palavras difíceis para isso ', agradece, retribuindo-lhes com o desejo de, um dia, poder imitá-los e também ela fazer com que uma criança não só não tenha dores como não se sinta estigmatizada por causa de uma doença da qual sofra. 'O afilhado do meu primo também tem colite ulcerosa mas não costumamos falar sobre o assunto.'

PERFIL

Maria Francisca tem 12 anos e vive no Porto. Frequenta o sétimo ano de escolaridade. Quanto tinha cinco anos começou a sofrer de dores abdominais e a sangrar nas fezes. Diagnóstico: colite ulcerosa. Controlada a doença, hoje tem uma vida normal.

NOTAS

BOA ALIMENTAÇÃO

Boa alimentação é fundamental para evitar a desnutrição associada à má digestão e a absorção de nutrientes.

CRESCIMENTO

Jovens que desenvolveram doença de Crohn antes da puberdade podem apresentar défices de crescimento.

CONSELHOS

Planear o itinerário antes de sair de casa e saber onde ficam as casas de banho são conselhos úteis para os doentes.



Isabel Ramos

Correio da Manhã 24 Janeiro 2010